Houve um tempo, entre o calor das fornalhas e o cheiro de argila, em que um prato simples e robusto alimentava os artesãos toscanos durante a noite: o Peposo all’imprunetina. Nascido nas colinas da Impruneta, perto de Florença, esse ensopado de carne, vinho tinto e pimenta-do-reino é mais do que uma receita — é um pedaço vivo da história do Renascimento.
Um prato nascido do fogo das fornalhas
Na Idade Média, nas fornalhas da Impruneta, onde se produziam tijolos e cerâmicas para as grandes obras de Florença, os operários descobriram uma forma engenhosa de cozinhar. Aproveitavam o calor do forno para deixar a carne cozinhando lentamente em potes de barro colocados ao lado dos tijolos incandescentes. Bastavam vinho tinto, pimenta em grãos e paciência para criar um prato intenso e saboroso.
Conta-se que Filippo Brunelleschi, o genial arquiteto da cúpula de Santa Maria del Fiore, ficou encantado com o aroma ao visitar uma dessas fornalhas. Desde então, quis que seus trabalhadores se alimentassem com aquele prato vigoroso, capaz de devolver força e energia após longas horas de trabalho.
A receita autêntica do peposo all’imprunetina
Hoje, o “peposo all’imprunetina” é um tesouro protegido, com marca registrada na Câmara de Comércio de Florença. O regulamento é claro: apenas carne bovina toscana (músculo ou bochecha), vinho Chianti, pimenta-do-reino em grãos, um toque de alho e sal. Nada de tomate — ingrediente que só chegou à Europa séculos depois.
O cozimento é lento, quase meditativo. A carne é dourada, coberta com vinho e deixada cozinhar por horas, até ficar macia e o molho adquirir uma cor escura e sabor profundo. Antigamente, era servida sobre pão toscano torrado, como refeição única para quem trabalhava a noite toda.
O Palio do Peposo: a disputa dos bairros
Todos os anos, Impruneta celebra sua glória culinária com o Peposo Day, um fim de semana dedicado à história e ao sabor. Durante o Palio do Peposo, os quatro bairros — Fornaci, Pallò, Sant’Antonio e Sante Marie — competem pelo título de melhor peposo do ano.
“É uma forma de manter viva uma tradição que fala da nossa identidade e do vínculo com Brunelleschi”, explica o prefeito Riccardo Lazzerini. O município, inclusive, iniciou o processo para obter o selo DOP, símbolo de qualidade e autenticidade.

