Quando uma região italiana se prepara para eleger seu governo local — presidente e conselho — não se trata apenas de uma questão administrativa. As eleições regionais são, há décadas, um verdadeiro termômetro político: medem o grau de aprovação do governo em Roma, testam as alianças partidárias e ajudam a entender o humor do eleitorado italiano.
O que são as regiões italianas
A Itália é dividida em 20 regiões, unidades territoriais com autonomia política e administrativa.
Cada uma possui um Presidente, uma Giunta (espécie de governo local) e um Conselho Regional, que funciona como um “mini parlamento”.
As regiões não são independentes, mas têm poder de decisão em áreas cruciais como saúde pública, transportes, turismo, meio ambiente, formação profissional e desenvolvimento econômico.
Cinco delas — Sicília, Sardenha, Vale de Aosta, Trentino-Alto Ádige e Friuli-Veneza Giulia — têm estatuto especial, o que garante maior autonomia legislativa e fiscal.
O sistema foi criado após a Segunda Guerra Mundial (Constituição de 1948) para reconhecer as diferenças econômicas, culturais e geográficas do país — do Norte industrializado ao Sul agrícola.
Na prática, as regiões italianas são uma via intermediária entre um Estado centralizado e uma federação: têm mais autonomia que municípios ou províncias, mas menos poder que os estados brasileiros.
Duração, funções e o “mini parlamento regional”
A cada cinco anos, os cidadãos elegem:
• O Presidente da Região (equivalente a um governador),
• O Conselho Regional, composto por conselheiros eleitos de forma proporcional.
O Conselho Regional aprova leis locais, orçamentos e planos de desenvolvimento, além de fiscalizar a atuação da Giunta e propor moções de censura.
A Giunta executa as políticas públicas, administra os recursos e coordena serviços essenciais como transporte, saúde e infraestrutura.
Se o Conselho for dissolvido ou o presidente renunciar, novas eleições são convocadas antes do fim do mandato. Em condições normais, a legislatura dura cinco anos.
Por que as eleições regionais são tão importantes?
Além do aspecto administrativo, as eleições regionais têm forte valor político.
Elas servem para medir a popularidade do governo nacional: quando um partido perde várias regiões, isso costuma ser interpretado como um alerta para o poder central.
Como cada região vota em momentos diferentes — algumas em 2025, outras em 2026 ou 2027 — o país vive um calendário eleitoral quase contínuo. Cada pleito funciona como um “mini referendo” sobre as políticas do governo e uma oportunidade para os partidos testarem novas estratégias e lideranças.
O paralelo com o Brasil
O sistema regional italiano tem algumas semelhanças com o modelo estadual brasileiro, mas também diferenças significativas.
No Brasil, cada Estado elege um governador e uma assembleia legislativa, com mandato de quatro anos e possibilidade de reeleição.
Se nenhum candidato alcança mais de 50% dos votos, ocorre um segundo turno.
Por ser uma federação, o Brasil concede aos Estados amplos poderes — especialmente em segurança pública, educação, finanças e desenvolvimento econômico.
Na Itália, as regiões têm autonomia menor e dependem fortemente dos repasses do governo central.
Mesmo assim, em ambos os países, as eleições locais são grandes testes políticos: indicam a confiança dos cidadãos nos partidos e antecipam tendências para as eleições nacionais.
Assim como o resultado em Estados como São Paulo, Minas Gerais ou Bahia influencia o cenário político brasileiro, em solo italiano o voto em regiões como Lombardia, Lácio, Campânia ou Sicília pode mudar o rumo da política nacional.
O caso Calábria 2025: a vitória (não alcançada) de Tridico
A Calábria, uma das regiões mais simbólicas do sul da Itália, foi às urnas nos dias 5 e 6 de outubro de 2025 para eleger seu novo governo regional.
O pleito havia sido antecipado após a renúncia do presidente Roberto Occhiuto, envolvido em uma investigação judicial que provocou turbulência no cenário político local.
O principal concorrente de Occhiuto foi Pasquale Tridico, economista e ex-presidente do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), conhecido por ter idealizado o programa de Renda de Cidadania durante o governo de Giuseppe Conte.
Tridico disputou o cargo por uma coalizão de centro-esquerda, formada pelo Partido Democrático e pelo Movimento 5 Estrelas.
A disputa foi acompanhada de perto em nível nacional, sendo vista por analistas como um teste de força para a oposição e um indicador do grau de aprovação do governo central.
Com a apuração concluída na noite de segunda-feira, Roberto Occhiuto confirmou sua vitória, obtendo cerca de 58% dos votos válidos, contra 41% de Tridico.
A abstenção chegou a 57%, com apenas 43% dos eleitores comparecendo às urnas, índice ligeiramente inferior ao da eleição anterior.
O resultado consolidou a manutenção do centro-direita no comando da região, sinalizando que, mesmo em meio a controvérsias e investigações, o eleitorado calabrês optou por dar continuidade à atual administração.
O termômetro da democracia
As eleições regionais italianas — assim como as estaduais no Brasil — não servem apenas para decidir quem governará uma região. Elas revelam o pulso da democracia e o humor político da população.
Cada região reflete uma parte do mosaico nacional, com suas identidades, desafios e prioridades.
E, quando somadas, essas vinte peças compõem uma imagem precisa do estado de espírito da Itália — um país onde a política regional continua sendo o espelho mais fiel do sentimento político nacional.