O dia 24 de junho de 2025 está marcado na agenda de milhões de descendentes de italianos ao redor do mundo, especialmente no Brasil. A Corte Constitucional Italiana realizará uma audiência decisiva que pode redefinir os rumos da cidadania por descendência, impactando diretamente os sonhos de milhares de brasileiros que buscam o reconhecimento de suas raízes e direitos. Em jogo está a constitucionalidade do Artigo 1º da Lei nº 91/1992, a espinha dorsal do ius sanguinis (direito de sangue) ilimitado que tem permitido a bisnetos e trinetos de italianos obterem o passaporte europeu.
A expectativa é alta, e a ansiedade palpável entre as famílias ítalo-brasileiras. O Tribunal Constitucional será o palco de um debate jurídico complexo, convocado a se pronunciar sobre a compatibilidade da lei atual com os princípios fundamentais da Constituição Italiana. Essa decisão, motivada por questionamentos de tribunais importantes como os de Bolonha, Milão, Roma e Florença, pode ser um divisor de águas, validando um direito de décadas ou impondo novas e drásticas restrições.
O contexto da audiência: Entre o direito histórico e o vínculo efetivo
A audiência não é um fato isolado, mas o ápice de um crescente debate jurídico na Itália. A inquietação partiu do Tribunal de Bolonha, que em novembro de 2024 levantou uma questão de inconstitucionalidade sobre a transmissão automática da cidadania sem a exigência de um vínculo cultural, linguístico ou territorial mínimo com a Itália. Em seguida, os tribunais de Milão, Roma e Florença ecoaram preocupações semelhantes, levantando questionamentos sobre como a concessão irrestrita se alinha aos conceitos de “povo”, “cidadania” e “razoabilidade” presentes na Carta Magna italiana.
O cerne da questão está no Artigo 1º da Lei nº 91/1992, que, fiel à tradição do ius sanguinis desde o Código Civil de 1865, permite que a cidadania italiana seja transmitida de geração em geração, sem limites e independentemente do local de nascimento do descendente. Essa interpretação tem sido a base para que incontáveis bisnetos e trinetos de imigrantes italianos, que deixaram o país há mais de um século, pudessem reivindicar sua cidadania. No entanto, o juiz Marco Gattuso, de Bolonha, questionou se essa concessão ilimitada, sem requisitos como o conhecimento da língua italiana, não compromete a conexão efetiva com a nação.
A decisão da Corte Constitucional focará na Lei nº 91/1992 e, embora não analise diretamente o recente Decreto-Lei nº 36/2025, suas implicações podem reverberar sobre ele. Caso a constitucionalidade da lei de 1992 seja reafirmada, isso fortaleceria os argumentos de que as novas restrições violam direitos fundamentais.
O “Decreto Tajani” e a urgência da discussão
Paralelamente a essa audiência, um novo e polêmico capítulo já se desenrola: o Decreto-Lei nº 36/2025, conhecido popularmente como “Decreto Tajani”. Publicado em 28 de março de 2025 e já convertido em lei pelo Parlamento Italiano, o decreto, liderado pelo vice premiê e ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, impôs restrições significativas. Ele limita o reconhecimento automático da cidadania apenas a filhos e netos de italianos nascidos na Itália, excluindo sumariamente bisnetos e gerações posteriores. Além disso, introduz a exigência de que o ascendente italiano não tenha se naturalizado em outro país, a menos que o descendente comprove que o ascendente residiu legalmente na Itália por pelo menos dois anos antes de seu próprio nascimento.
Essa medida, que entrou em vigor imediatamente, foi justificada pelo governo italiano como uma forma de conter a “comercialização” de passaportes e aliviar a sobrecarga dos serviços consulares e judiciais. No entanto, o “Decreto Tajani” gerou uma onda de críticas por parte de juristas e associações de ítalo-descendentes, especialmente no Brasil, onde estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas possuam ascendência italiana. As principais contestações apontam para possíveis violações de princípios constitucionais como a irretroatividade da lei, a igualdade (Artigo 3 da Constituição Italiana) e o direito adquirido.
O que esperar do veredito?
A audiência de 24 de junho de 2025 será, sem dúvida, um momento histórico. Se a Corte Constitucional declarar a constitucionalidade da Lei nº 91/1992, isso reforçará a legitimidade do ius sanguinis como um direito fundamental, potencialmente criando um cenário de conflito com o recém aprovado Decreto-Lei nº 36/2025. Tal desfecho poderia levar a novos desafios legais e questionamentos sobre a validade do decreto, reacendendo a esperança para gerações mais distantes.
Por outro lado, uma decisão que declare a inconstitucionalidade do Artigo 1º da Lei nº 91/1992, ou que imponha condições para a transmissão ilimitada da cidadania, poderia abrir as portas para reformas legislativas mais restritivas. Isso alinhou a Itália a outros países europeus, como Portugal e Espanha, que já possuem limites geracionais ou exigências de vínculo para a concessão da cidadania por descendência.
Para os milhões de brasileiros que sonham em ter o passaporte vermelho e fortalecer seus laços com a Itália, o dia 24 de junho será de apreensão e expectativa. O veredito da Corte Constitucional não será apenas uma decisão jurídica, mas um marco que moldará o futuro da cidadania italiana para as próximas gerações.