Em um mundo onde gigantes engolem pequenos sonhos, onde o plástico substitui o vidro e o artesanal cede lugar ao massivo, há histórias que se recusam a desaparecer. A da família Moretti, de Roma, é uma dessas. É um conto de persistência, de um reencontro emocionante com o passado e do sabor inconfundível de uma herança que se recusou a ser esquecida.
Tudo começou, pelos registros que sobreviveram ao tempo, lá por 1919. O bisavô Virgilio Moretti e sua esposa Ida, com um espírito empreendedor que corria nas veias, davam vida a bolhas e sabores que encantavam a Roma da época: espuma, laranjada, chinotto e gazzosa. A fábrica, um burburinho de atividade na Piazza Pio IX, não era apenas um negócio; era uma extensão da taverna que Virgilio, o avô de um restaurante, administrava. Começou vendendo colunas de gelo e, logo, engarrafava as bebidas que se tornariam o refresco preferido de gerações. Fotos em sépia e máquinas antigas, guardadas como relíquias, testemunham essa era de ouro que persistiu até os anos 1980. Foi quando a maré mudou, impiedosa. O advento do plástico e a força avassaladora das multinacionais transformaram o mercado em um deserto para as pequenas empresas, incluindo a Moretti. A produção artesanal, por um tempo, silenciou.
O bastão, então, passou de Virgilio para seu filho Alfredo. Consciente das novas realidades do mercado, Alfredo tomou uma decisão dolorosa, mas necessária: a empresa se concentraria na distribuição de refrigerantes.
A história poderia ter terminado ali, com a Moretti relegada a um distribuidor, seu sabor original apenas uma memória distante. Mas o destino, ou talvez o sangue Moretti, guardava uma surpresa.
O tesouro no sotão: O renascimento de um sonho
Em 2010, um evento de profunda emoção familiar – a morte da avó – revelou um tesouro esquecido. Ao esvaziar a casa, os primos Alessandro e Flavio, já a quarta geração à frente da empresa de distribuição, depararam-se com um arquivo de memórias: fotos desbotadas, mas cheias de vida, receitas manuscritas que pareciam sussurrar segredos antigos, rótulos vibrantes e designs de garrafas que eram pura arte. Era um chamado do passado.
A busca por alguém que pudesse dar vida a essas receitas levou-os a Cingoli, na província de Macerata, onde encontraram Giovanni Passarelli. Com ele, as receitas foram postas à prova, adaptadas aos tempos modernos, mas a alma original permaneceu intacta. No mesmo ano, 2010, o inimaginável aconteceu: a “Bevande Moretti” retornou ao mercado, com o mesmo nome familiar.
Um novo nome, o mesmo coração artesanal

A volta foi triunfante, mas não sem percalços. Por ocasião da Expo Milão, um embate legal com a gigante Birra Moretti sobre o uso do sobrenome familiar na marca forçou uma pausa dolorosa. “Nunca foi uma atividade destinada exclusivamente aos negócios. Era mais um vínculo com a nossa família”, explica Flavio, sublinhando o apego emocional à tradição. Mas os pedidos não paravam. A paixão do público por bebidas não alcoólicas artesanais reacendia.
A solução veio de uma inspiração inesperada. A marca histórica da família tinha dois perfis “mouros” em seu design – uma origem que nem mesmo Flavio sabe de onde veio. Usando o dialeto romano, esses perfis se tornaram “Limori”, escrito tudo junto. Com este novo nome, o renascimento foi ainda mais espetacular: o faturamento dobrou rapidamente.
Hoje, a linha de produtos cresceu, incluindo cerveja de gengibre, limão, refrigerante e tônica. A produção, entre 180.000 e 200.000 garrafas por ano, é exclusivamente em vidro. A distribuição, que começou a partir de três armazéns em Roma e no Lácio, agora alcança o mundo, com presença na Letônia, França, Austrália e Alemanha.
A história da Moretti, agora Limori, é mais do que um caso de sucesso empresarial. É um tributo à persistência, ao amor familiar e à beleza de uma tradição que, mesmo após décadas de silêncio, pôde ser resgatada e celebrada. É a prova de que, às vezes, o sabor mais autêntico é aquele que vem do passado, engarrafado com emoção e muito, muito carinho.
