sáb. jul 5th, 2025

Os segredos esquecidos da cozinha romana que vão te fazer repensar tudo o que você sabe sobre massas

Você acha que conhece a culinária romana? Carbonara, amatriciana, cacio e pepe… certo? Errado. Ou melhor: incompleto. Muito incompleto. Esses clássicos são apenas a superfície de um universo muito mais rico, surpreendente e, acredite, cheio de histórias que você nunca ouviu contar.

Roma é uma cidade onde cardeais e operários dividiram tavernas. Onde a mesa foi o palco de encontros entre cristãos, judeus, estrangeiros e locais. Onde o que sobrou virou tradição. Onde o que era “de pobre” virou patrimônio. E onde uma colher, muitas vezes, veio antes do garfo.

E é exatamente por isso que agora você vai conhecer o outro lado da cozinha romana — o lado escondido, saboroso, emocional e cheio de alma.

🍲 Antes do rigatoni, vinha a colher

Sim, a colher. Na Roma de antigamente, era mais comum pedir uma sopa do que um prato de massa. Um exemplo? A deliciosa sopa de ervilha com macarrão quebrado, feita com sobras de massa, ervilhas frescas vindas dos campos vizinhos e pecorino por cima — claro. Simples, mas com aquele sabor que aquece a alma. Dandini, estalajadeiro de quinta geração, garante: “minha mãe ainda faz isso em Rocca Priora”.

Outro segredo? A soldatina — uma amatriciana sem bacon, servida como sopa, para comer de colher. Sabe aquele prato que a família toda se serve da mesma panela, em silêncio, de olhos fechados? É esse. Um ritual com cheiro de tomate, alho, pimenta e história.

💂‍♂️ A massa dos soldados (e das saudades)

Claudio Gargioli chama de “massa militar”. Por quê? Porque ela resiste ao tempo e ao calor — perfeita para alimentar soldados nos quartéis. E até hoje, resiste. Em trattorias que ainda sabem o que é comida com propósito.

Agora, se é domingo, o cheiro muda. Vem do garofolato, um ensopado de carne com cravo. Aromático, especial. É com ele que se faz o fettuccine de festa, servido com parmesão. Nada de pecorino aqui — isso é luxo de domingo.

🐓 A carne que sobrou virou rei

E quem disse que só se cozinha filé? Um dos pratos mais romanos que existem leva miúdos de frango: coração, fígado, moela, tudo refogado com alho, louro e vinho branco. Sabe de onde veio? Da comunidade judaica, que, impedida de comprar os melhores cortes de carne por uma bula papal de 1555, criou uma culinária de resistência. E de sabor.

Aliás, Roma inventou a “culinária de reaproveitamento” antes mesmo da moda do no waste. Tem rigatoni com molho de rabo (sim, o da coda alla vaccinara), massa com molho de involtini, e até um “misto quente de massas” chamado botticella, que mistura carbonara com amatriciana. É o prato dos indecisos — ou dos famintos.

🐟 A rainha branca dos mares: arzilla

Sopa de brócilis com caldo de arzilla

Na véspera de Natal, a tradição manda fazer sopa de peixe. Mas não qualquer peixe: arzilla, uma arraia preparada “em branco”, com brócolis Romanesco, cebola, anchova e espaguete. Um prato leve, bonito e cheio de sabor. Mas cuidado: arzilla tem que estar fresquíssima — senão, “cheira mal”, como adverte Gargioli.

E, olha só que curioso: tem até um ditado romano só pra isso — “Sta in bianco come l’arzilla”. Sabe aquela pessoa que está “sem nada”? Pois é. Até o idioma tem sabor em Roma.

👑 Quando o Papa quer massa (mas leve)

Fettuccine a papalina

Um dos pratos mais charmosos da cidade tem nome pomposo: pasta alla papalina. Surgiu no Vaticano, quando o Papa Pio XII pediu uma versão “mais leve” da carbonara. Sai o bacon, entra o presunto. Tchau pecorino, olá parmesão. Um toque celestial numa massa feita para agradar Sua Santidade.

E tem mais: Dandini resgatou um prato diretamente do século XVI — o Brodo Apostolorum. Um caldo rico com miolos, açafrão e ovos, servido aos papas renascentistas. Uma sopa dourada, quase alquímica, que parece saída de um livro de poções.

🧀 O nhoque sem batata (mas com muita manteiga)

Nhoque ao estilo romano

Já ouviu falar dos nhoques romanos de semolina? Eles são feitos com farinha, queijo e manteiga, cortados em discos grossos e assados até ficarem douradinhos. E por que às quintas-feiras? Porque sexta era dia de jejum, e sábado era dia de vísceras no Testaccio. A quinta era o dia de comer bem e se preparar. Tradição que virou costume. Costume que virou saudade.

🌶️ E o ardido favorito do povo?

Ah, penne all’arrabbiata. Simples, vermelho, picante. O prato da fúria e da alegria. Feito com alho, tomate e muita pimenta, ele nasceu nos anos 50 e conquistou o coração dos romanos e de todos os cozinheiros caseiros que gostam de sabor e rapidez.

💀 O mais “feio” (e mais amado) de todos

E por último, o prato que desafia os turistas, mas é adorado pelos romanos raiz: rigatoni con la pajata. O intestino fino de um bezerro alimentado só com leite vira um molho espesso, quase doce, cozido com tomate. Parece estranho? Sim. É delicioso? Muito. Mas é só para os corajosos — e os apaixonados.

🍽️ Roma te convida à mesa

Mais do que receitas, esses pratos são retratos de uma cidade que mistura o sagrado e o popular, o requinte e o improviso, o luxo dos papas e a luta dos camponeses. Roma é feita de contrastes — e seus pratos também.

Então, da próxima vez que for a uma trattoria, pergunte pelo que não está no cardápio. Ou melhor: vá além da carbonara.

Porque em Roma, até a colher tem história.

E comida boa, aqui, sempre vem com uma boa história para contar.

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