Ao longo da estrada que leva a Ortisei, no coração do Tirol do Sul, uma fila humana se arrasta sob o sol alpino. São centenas de turistas aguardando sua vez para subir a Seceda, uma das montanhas mais cenográficas das Dolomitas. Lá no alto, a 2.500 metros de altitude, o que era antes o refúgio silencioso de alpinistas e pastores agora se tornou o novo ponto obrigatório da cultura do clique: fotos, vídeos, drones e, claro, filas.
O que está acontecendo com as montanhas italianas?
A cena ganhou o mundo depois que vídeos viralizaram nas redes sociais, expondo o que há muito já incomodava moradores e estudiosos da região: o turismo em excesso, ou overtourism, que transforma paisagens naturais em parques temáticos temporários e gera tensão social, degradação ambiental e um desgaste silencioso da identidade local.
A origem do “efeito avalanche” pode parecer surreal: em 2013, a Apple elegeu uma imagem de Seceda como papel de parede para o iOS 7. Em 2023, voltou a usar a montanha em um vídeo global de lançamento do iPhone 15. O que eram segundos de beleza digital se tornaram minutos de caos logístico. Bastou um “onde fica isso?” no Google para que o mundo inteiro colocasse Seceda na rota.
Hoje, a montanha é vítima do seu próprio sucesso. A empresa que opera o teleférico local quer triplicar sua capacidade. Os ambientalistas alertam para o colapso do ecossistema. Cidadãos protestam contra a superlotação. E o governo já vetou informalmente o projeto, sugerindo um modelo com cotas diárias de acesso, como já ocorre no Lago Braies.
Mas a discussão vai além de números e bilhetes. O problema é cultural. O presidente do Clube Alpino local, Carlo Zanella, defende um caminho menos óbvio: educação. Segundo ele, os turistas precisam redescobrir o que significa caminhar por uma floresta, pisar com leveza nos prados, contemplar sem consumir. Ensinar, em vez de proibir.
A ironia é que tudo isso se passa num Parque Natural. A catraca improvisada instalada recentemente por moradores — e removida pelas autoridades — não cobrava apenas € 5 de acesso: ela cobrava consciência. E deixava no ar a pergunta que a própria paisagem não consegue mais responder: até que ponto um lugar continua sendo natural quando precisa ser protegido das pessoas que o amam demais?
O caso de Seceda é um espelho. Ele nos força a questionar qual é o verdadeiro custo da popularidade digital. A beleza natural, tão facilmente compartilhada em uma tela, pode, paradoxalmente, ser vítima de sua própria fama. Será que a busca pela foto perfeita justifica a degradação de um ecossistema delicado e a alteração da vida de quem chama essas montanhas de lar? O Tirol do Sul está em um ponto de inflexão, e a decisão que for tomada em Seceda não definirá apenas o futuro desta montanha, mas será um precedente crucial para o turismo em áreas naturais por todo o mundo. A montanha clama por respeito, e cabe a nós, viajantes e observadores, decidir se a ouviremos.