sáb. jul 26th, 2025

As massas invisíveis do Lácio: onde a Itália se esqueceu de esquecer

Ah, Roma! Seus clássicos culinários são hinos entoados em todos os cantos do mundo. Mas e se eu te dissesse que, para além da magnificência de seus fóruns e da glória de suas massas icônicas, existe um Lácio secreto, pulsante de vida, onde a criatividade se entrelaça com a farinha e a água para criar maravilhas quase esquecidas? Prepare-se, meu caro leitor, para uma epifania gastronômica que vai além do paladar e toca a alma, despertando um desejo incontrolável de fazer as malas e se perder nas províncias que guardam esses tesouros.

Imagine-se agora, não em um tour turístico batido, mas em uma peregrinação de descobertas, onde cada vilarejo e cada colina esconde um segredo, uma massa com um nome que soa como um encanto e um formato que desafia a imaginação. É uma dança de texturas e tradições que te convida a sentir a história não nos monumentos, mas nas pontas dos dedos, na língua, no coração.

Comecemos pelos Fregnacce, os “maltagliati” de Rieti. Eles não são apenas massa; são um aceno à sabedoria ancestral de não desperdiçar, cortados com a poesia da imperfeição. Pura farinha e água, sem luxos, mas com uma alma que absorve o molho como um abraço antigo. Sentir a simplicidade dessa massa em uma sopa de feijão, ou enlaçada a um molho rústico de banha, é como ouvir os sussurros de gerações de camponeses.

Gnocchitti de Pulenta

E os nhoques… Ah, os nhoques! No Lácio, eles transbordam de surpresas que desafiam a batata. Os Gnocchitti de Pulenta, amarelos como o sol que beija os campos, trazem a leveza do milho em cada pedacinho. Já os Nhoques “de lu Contadino”, puros, moldados pela mão que lavra a terra, são um tributo à simplicidade elevada à perfeição. Mas a coroa, sem dúvida, pertence aos Nhoques Ricci de Amatrice. Cada um deles, uma pequena espiral de arte, moldada com carinho entre polegar e indicador. Mais antigos que a própria amatriciana, eram o coração das festas mais grandiosas, e prová-los com um ragu de carneiro é sentir a história de uma família rica em cada fibra.

Nossa jornada nos leva a Valmontone, onde os Nhoques Tritello surgem, não como massas fofinhas, mas como fitas escuras, rústicas, feitas de farelo e gérmen. Eles são a teimosia transformada em sabor, e quando se rendem a um ragu de feijão ou um simples molho de tomate, revelam uma profundidade que só a alma do campo pode oferecer. Em Norma, a Lacna Rasgada nos convida à desordem perfeita: uma massa rústica, rasgada à mão, cujos pedaços irregulares são uma tela em branco para molhos de carne ou tomate, celebrando a espontaneidade da cozinha camponesa.

Subindo às colinas de Palombara Sabina, os Longarini de Cretona surgem como espaguetes robustos, firmes, amantes de um “sugo finto” — um molho de tomate que, sem carne, engana o paladar com sua riqueza sutil. É a prova de que a simplicidade pode ser a mais profunda das delícias. Em Gavignano, os Maccaruni são um espetáculo à parte: finíssimas tiras de massa que se preparam em dois minutos, prontas para um festival de sabores com carneiro, linguiças e miúdos de frango. E o mistério dos ‘Ndremmappi de Jenne? Um nome que parece um sussurro, uma massa feita com trigo local moído em moinho de pedra, que antes se deliciava com o “sabor da água do cozimento” e agora abraça o molho de tomate e as anchovas. É a história da adaptação, da resiliência, contada em cada fio de massa.

Tagliatelle de Castanha

Finalizamos nossa odisseia com a poética Folha Solta de Leonessa, moldada pelo “fuso” que lhe dá nome, uma massa ligeiramente torcida, feita para capturar o molho em cada reentrância, como um segredo guardado. E o toque doce e rústico do Tagliatelle de Castanha, de Rieti, que prova que a castanheira, tão generosa, também se transforma em fios dourados, perfeitos para serem abraçados por bacon crocante e pecorino. Uma fusão de doçura e salgado que é puro aconchego.

O Lácio esconde tesouros que não querem ser redescobertos por multidões. Eles pertencem a quem se importa, a quem viaja com o paladar e a curiosidade nas malas. Ir até lá, provar essas massas e ouvir as histórias que as moldam é um ato de resgate, uma forma de tocar a alma da Itália com a ponta da língua.

Faça as malas. Leve fome, tempo e coração aberto. O resto é com elas.

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