Permita-me apresentar-lhe o mágico por trás dessa invenção: Enrico Panattoni. Toscano de nascimento, mas bergamiano de coração e alma. Em 1953, ele assumiu o comando do La Marianna, um restaurante charmoso em Bergamo Alta que já funcionava desde o ano anterior. Ali, Enrico não era apenas um dono de restaurante; era um alquimista culinário, sempre em busca de novas experiências para encantar seus clientes.
A história da stracciatella, como as grandes lendas, tem aquele toque irresistível de romance e um pitada de sorte. Enrico estava obcecado em criar um sorvete único. Trabalhava com sua base cremosa de fiordilatte (o mais puro dos sorvetes, feito de leite e nata), sonhando com algo a mais. E foi então que a magia aconteceu. Ao adicionar chocolate amargo derretido à mistura gelada, ele notou algo peculiar: o chocolate, ao tocar o frio intenso, se estilhaçava em pedacinhos irregulares, formando delicadas “lágrimas”.
A visão desses fragmentos de chocolate imediatamente remeteu Enrico àquela sopa romana, a stracciatella, conhecida por seus “farrapos” de ovo que se formam no caldo. E assim, um nome simples e humilde foi elevado a batizar um dos sabores de sorvete mais icônicos do mundo! A partir desse momento, a fama explodiu. O mais fascinante? Enrico, com uma generosidade que desafia a lógica dos negócios, nunca patenteou pessoalmente sua invenção, permitindo que outros o fizessem e que a stracciatella se espalhasse livremente, conquistando os corações dos amantes de sorvete por toda parte. Ele nunca revelou sua receita original, o que só aumenta o mistério e a aura em torno desse sabor.
O culto continua: La Marianna e a experiência Stracciatella
Mesmo após a partida de Panattoni em 2013, o espírito da stracciatella vive e prospera no La Marianna. A tradição é sagrada: o sorvete mais famoso de Bérgamo continua sendo produzido nas mesmas máquinas, as Carpigiani L40s com sua campânula de cobre estanhado e banho de salmoura, um toque de nostalgia em cada porção. As casquinhas? As mesmas, para preservar a autenticidade da experiência.
O único “atrevimento” permitido ao longo dos anos foi a mudança do chocolate, que antes era o Luisa da Perugina e hoje é um requintado chocolate amargo 58% da Lindt. A receita, uma sinfonia de leite, gemas, açúcar granulado, creme de leite fresco, gelatina e alginato de sódio, permanece fiel à essência original.
No La Marianna, a stracciatella não é apenas um sorvete; é um culto. Você pode saboreá-la de inúmeras maneiras: recheando um brioche macio com um toque de cacau, mergulhada em uma xícara de expresso encorpado, transformada em um milkshake cremoso, ou em uma taça elegante, harmonizada com cerejas pretas suculentas. Para os verdadeiros devotos, há a “Experiência Stracciatella”: um wafer crocante servido com sorvete de stracciatella, mais chocolate amargo, chantilly fofo e cerejas pretas ao lado – uma indulgência divina que celebra cada faceta desse sabor lendário.
Mais do que um sabor: Uma marca de Bérgamo para o mundo
Com o crescimento meteórico da fama da stracciatella, e embalado pelo entusiasmo da Expo 2015, Bérgamo tomou uma decisão grandiosa: criou a marca oficial “La stracciatella – il gelato di Bergamo”, completa com seu próprio logotipo. Essa iniciativa, promovida pela Gelatieri Bergamaschi e Ascom Bergamo, com apoio da Câmara de Comércio e patrocínio da prefeitura, visa garantir que quando você provar uma stracciatella com esse selo, você não esteja apenas degustando um sorvete, mas sim a verdadeira essência de Bérgamo. A marca identifica sorveterias que seguem especificações rigorosas desenvolvidas pelo comitê científico da Expogelato, assegurando a qualidade e a autenticidade do sabor original.
A stracciatella de Bérgamo é um lembrete delicioso de como a inovação pode nascer do mais simples dos acasos, e de como um legado de paixão e sabor pode perdurar, encantando gerações com cada colherada. É a prova de que as melhores histórias, assim como os melhores sorvetes, são aquelas que nos fazem sonhar e sentir a magia em cada detalhe.